A venda de comida de rua não é mais uma novidade. Há alguns anos, esse modelo de negócios apresentou expansão significativa no país, especialmente a partir da popularização dos food trucks, que em 2014 movimentaram R$ 140 bilhões no país, segundo o Ibope Inteligência. Para se destacar em um ramo já bastante popular, o jeito é apostar na criatividade, como o título desta série de matérias d’O Nacional ressalta. Na terceira e penúltima parte da série, a reportagem conta a história de um casal passo-fundense que decidiu deixar o ramo escolhido na época da graduação para gerir o próprio negócio, como forma de fugir um pouco do maçante dia-a-dia do mercado de trabalho.
Negócio em família
A vitrine colorida com tortas de diferentes sabores, o cheirinho de café recém-passadoe o frescor de cervejas artesanais são as principais marcas do bistrô sobre rodas construído por Mônica e Leandro Silveira. Juntos, eles produzem tudo por conta própria, vendem os produtos em um trailer instalado na frente da residência onde moram e servem em mesinhas dispostas pela calçada. Um negócio familiar, que surgiu da união de habilidades dos dois e ganha o nome de 42 Bistrô and Coffee. Aberto há cerca de três meses, o estabelecimento nunca vê suas tortas pousarem na vitrine, mesmo funcionando em um bairro distante do centro da cidade.
Embora a formação de Mônica e Leandro não tenha sido nem de perto nessa área – ela graduou-se em Publicidade e Propaganda e ele em Ciências da Computação –, eles garantem que não voltariam a atuar em seus antigos ramos por nada. “Não importa a proposta milionária que me façam, eu não vou nunca mais”, Mônica ri. De acordo com ela, além de valer a pena rentavelmente, o trabalho no mercado gastronômico é muito mais gratificante e menos machista. “Eu era muito perfeccionista quando atuava como publicitária, estava sempre me matando para fazer dar certo, e me incomodava a postura dos outros em relação a isso. Aqui eu sei que faço o meu trabalho o mais perfeito que posso, entrego para a pessoa e ela nem precisa falar nada. Se botou na boca e fechou o olhinho, o meu dia está feito, excelente! E vamos concordar, o mercado de trabalho já é difícil. Para mulher então, pior ainda”.
Doces frescos e cervejas geladas
A decisão de trocar o ramo que lhes era destinado segundo o diploma pela vida de empreendedores deve-se, especialmente, ao desejo de fugir da rotina sufocante do mercado de trabalho. Há dez anos, quando já namoravam e eram recém-graduados, Mônica e Leandro decidiram deixar Passo Fundo para viver na capital gaúcha. Lá, passaram quase seis anos trabalhando em suas respectivas áreas, até o ponto de sentirem-se esgotados, conforme eles. “Quando nosso pequeno nasceu eu não queria mais trabalhar em escritório, por isso voltamos para Passo Fundo, mas eu sou muito sem sossego e um mês depois eu já não conseguia mais ficar parada dentro de casa, queria fazer alguma coisa. Trabalhar com comida era meu projeto de aposentadoria da Publicidade, só que na minha cabeça eu enxergava essa aposentadoria quando eu já estivesse cinquentona e não quisesse encher minha cabeça, mas eu cansei antes”, Mônica, hoje com 31 anos de idade, compartilha.
Enquanto Leandro seguia atuando como cientista da computação, à época em home office, Mônica resolveu arregaçar as mangas e começar a fazer doces por encomenda, motivada por um interesse que tinha desde pequena. “Eu sempre gostei de cozinhar e sempre fui muito curiosa. Não sei dizer onde isso começou, mas acho que cresceu quando mudamos para Porto Alegre. As vacas eram magérrimas”, Mônica ri ao lembrar-se da época que eram apenas os dois, morando em um apartamento simples em Porto Alegre, onde as janelas ofereciam somente a visão de dois muros. “A gente morava quase em um calabouço e gastava dois terços do nosso salário só em aluguel. Eu precisava ser muito criativa para comer alguma coisa legal porque a gente não tinha dinheiro para sair. Como eu já gostava de cozinhar, ia criando receitas. Eu também sempre gostei de estudar, eu e o Leandro somos bem autodidatas. Sou acostumada a pegar e sair fazendo, errando, testando, ajustando. Para cozinhar foi a mesma coisa”, explica.
Assim, há quatro anos, surgia no município a Docinho Meu (posteriormente denominada 42 Bistrô and Coffee). Inicialmente sob o comando exclusivo de Mônica, pouco menos de um ano depois o sucesso do serviço oferecido exigiu a contratação de mais uma pessoa para a equipe, a fim de absorver toda a demanda. Para isso, não foram necessários currículos ou entrevistas. Leandro, que até então trabalhava com a criação de aplicativos, escolheu deixar o emprego e começar a ajudar a esposa. “Eu estava atuando como freelancer na expectativa de fazer meus próprios horários e passar as minhas estimativas, mas vi que não mudava muitos das empresas, ainda era tudo meio imposto e eu não estava satisfeito. Quando a Docinho Meu começou a precisar de mais gente e ter uma exigência maior, decidi me juntar à Mônica”, Leandro conta. Hoje, é ele quem realiza as compras de produtos, o controle financeiro e toda a burocracia que envolve a manutenção de um registro de Microempreendedor Individual (MEI).
A partir dessa parceria e ao estudar assuntos relacionados ao mercado gastronômico, o cientista da computação desenvolveu uma nova paixão: a produção cervejeira. Embora nunca houvesse estudado ou trabalhado com cervejas, sempre gostara de degustar a bebida em fins de semana. “A ideia de fazermos nossas próprias cervejas foi surgindo. Eu pesquisei sobre o assunto e vi que não era um negócio tão difícil de fazer. Quando a Docinho Meu começou a engrenar e já estava bem estável, eu e a Mônica começamos a planejar, comprar equipamentos e estudar em casa. Um amigo meu havia feito um curso e me emprestou as apostilas. Li elas e assisti a diversos vídeos na internet. Quando a gente estava com tudo comprado, decidimos que era hora de colocar a mão na massa. Assim surgiu a nossa primeira leva, um ano e meio atrás”.
Apesar de tudo sempre ter sido feito em dupla, antes da criação do bistrô, os dois negócios funcionavam de maneira distinta, atendendo públicos diferentes. A cervejaria Pangalática vendia seus produtos apenas de forma independente, por exemplo, enquanto a Docinho Meu tinha suas encomendas vinculadas tanto a clientes em geral quanto a empresas, como a rede de cafés do McDonalds. “Atendemos por quase dois anos os McCafés de Passo Fundo, Caxias e Gramado, mas nos demos conta de que estávamos, mais uma vez, entrando na mesma rotina maluca de Porto Alegre, que tentamos nos livrar a todo custo”, Mônica conta. Percebendo que não era aquilo que queriam, eles começaram a se desvencilhar da empresa e amadurecer a ideia de montar um espaço próprio.
Formato inusitado
Quando decidiram colocar os produtos na rua e sair do modelo de negócios que consistia unicamente em pedidos por encomenda, Mônica e Leandro tinham como plano inicial construir um bistrô no estilo parisiense – um estabelecimento com espaço interno e mesas espalhadas na calçada –, mas a ideia era cara e fixa demais para um casal de espírito nômade. É por esse motivo que a junção da Docinho Meu com a Pangalática, resultante no 42 Bistrô and Coffee, é basicamente uma adaptação dos dois interesses: um bistrô de rua em forma de food truck. “Antes de a gente começar a Docinho Meu, quase fizemos um projeto itinerante, porque nós não conseguimos ficar muito tempo parados. Queríamos montar um trailer e sair viajando e vendendo. Hoje, o que temos une as duas ideias: é um trailer, com o qual podemos viajar e levar a outros lugares, e ao redor montamos as mesas”, explana uma Mônica sorridente.
O carinho do casal pelo trabalho fica expresso nos detalhes do bistrô. Tudo recebe um olhar atento. Desde os utensílios utilizados e os itens de decoração, que tornam o ambiente esteticamente agradável, até os alimentos sempre fresquinhos. Para isso, a rotina é intensa. Enquanto as cervejas Pangalática nos estilos American Pale Ale, Red Ale, Cream Ale e Porter são produzidas quinzenalmente, os doces e salgados do bistrô precisam ser preparados todos os dias. “A gente começa a produção em torno das sete da manhã. Trabalhar com confeitaria é algo bem melindroso, é demorado e você tem que respeitar os tempos. Todas as receitas são nossas e preparadas pelas nossas mãos. Além disso, eu sempre trabalho primeiro com todos os doces e só depois os salgados, para não misturar nada e não ter contaminação”, explica Mônica.
Quando tudo está pronto, vai para a vitrine do trailer, à disposição do público de terça a sábado, das 16h às 21h - mas é preciso ser rápido, já que alguns doces não duram por muito tempo, especialmente as tortas. Em algumas noites, por volta das 20 horas, quando o pico de movimento acontece, os clientes chegam a formar fila. Segundo o casal, há quem percorra a cidade apenas para provar seus produtos. Outros, mais próximos da vizinhança, aparecem na fila de clientes mais de uma vez por semana. “A gente sempre fez a divulgação pelas redes sociais e elas ainda são o nosso ponto de apoio, muitas das pessoas que nos procuram é por terem visto a gente no Facebook e no Instagram. Quando eu me formei em Publicidade e Propaganda, fui me especializando em mídias digitais. Eu conheço a área, fica mais fácil, acabo unindo os conhecimentos”, comenta a publicitária.
Atenção especial a públicos específicos
No cardápio do bistrô, quem não consome carne ou possui intolerância a lactose também tem vez, e os planos a curto prazo para o espaço incluem a expansão dos pratos destinados a esse público. Além disso, o casal planeja oferecer um sabor especial de pastel por mês, um prato especial por semana e, ainda, utilizar a garagem e o pátio da própria residência para promover eventos temáticos em datas comemorativas, como o Dia dos Namorados. “Já usamos aquele espaço nos dias de chuva, mas queremos usar mais vezes para fazer eventos em um estilo mais de restaurante mesmo, algo mais intimista”.