Conservação ambiental exige cada vez mais intervenção humana

Professor da Universidade de Brasília e à frente da Fundação Pró-Natureza, José Luiz de Andrade Franco falou em Passo Fundo sobre preservação da fauna e dos ambientes naturais defendendo uma “ética ambiental mais ampla”

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“A gente está tendo os efeitos da mudança climática, são os extremos”, entende o professor José Luiz de Andrade e Franco - Foto Divulgação/ Gustavo Mansur/ Palácio Piratini“A gente está tendo os efeitos da mudança climática, são os extremos”, entende o professor José Luiz de Andrade e Franco - Foto Divulgação/ Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
“A gente está tendo os efeitos da mudança climática, são os extremos”, entende o professor José Luiz de Andrade e Franco - Foto Divulgação/ Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
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Na escola, muito provavelmente você tenha aprendido a definição de ecossistema, um conjunto de comunidades que vivem em um determinado local. Junto a isso, tem outra caracterização importante: esses seres interagem entre si e com o meio ambiente, para, assim, constituir um sistema estável, equilibrado e autossuficiente. Na prática, e em uma visão ampliada, no mesmo sistema ocupado por fauna e flora estamos nós. E na medida em que intervimos negativamente nesse território, afetamos as nossas próprias condições de vida.

É uma conceituação simples, todavia, conforme mostram muitas das ações humanas, está esquecida ou é deliberadamente ignorada. “A gente tem que ter a capacidade de viver nesse planeta e permitir que as outras espécies também possam. Que possam viver e florescer”, aconselhou o professor da Universidade de Brasília e diretor-presidente da Fundação Pro-Natureza (Funatura), Dr. José Luiz de Andrade e Franco, em recente agenda em Passo Fundo.

Professor da Universidade de Brasília e diretor-presidente da Fundação Pro-Natureza, Dr. José Luiz de Andrade e Franco- Foto divulgação/Julia Costa Oliveira

Ao falar a estudantes na Universidade de Passo Fundo, chamou atenção para um aspecto que pode parecer um contrassenso: a intervenção humana passa a ser preponderante para a garantia da preservação dos ecossistemas. Denota, no entanto, mais uma evidência da devastação já causada. “O ideal é proteger áreas que ainda apresentam a fisionomia natural, selvagem, mas temos cada vez menos essas áreas. A década passada foi considerada pela ONU como da Biodiversidade, e a atual é a Década da Restauração, significa que estamos começando a ter que restaurar ambientes, para restaurar ecossistemas naturais, isso implica em intervenção”, detalhou Franco, ao apontar que, muitas vezes, para processos de restauração, terá que ocorrer a reformação, com a reintrodução não só de plantas que caracterizam aquele sistema, mas também de fauna. “Hoje, não se consegue conservar sem ter manejo, inclusive, para impedir que a fauna exótica invasora cause prejuízo”, citou. Um exemplo é a proliferação de javalis pelo Rio Grande do Sul, espécie introduzida no Brasil na década de 1960 e reconhecida como exótica invasora através de legislação em 2013.

O indicado, diz o especialista, é que ocorra a restauração para ter habitats capazes de suportar toda a fauna que já foi característica da região um dia.

Essa pauta vai ao encontro da atual mobilização mundial encabeçada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que, em comemoração ao Dia do Meio Ambiente (5 de junho), lançou uma campanha para combater a desertificação, restaurar a terra e desenvolver a resiliência à seca. A ação integra a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas (2021-2030), com o compromisso dos países restaurarem um bilhão de hectares de terra - uma área maior do que a China - protegendo 30% da terra e do mar para a natureza e restaurando 30% dos ecossistemas degradados do planeta.

 

“Precisamos de uma ética ambiental mais ampla”

Na passagem por Passo Fundo na última semana, José Luiz de Andrade e Franco – que tem formação acadêmica na área da História - foi convidado a palestrar sobre história ambiental na conservação dos biomas e sua biodiversidade, com os eixos nos temas da conservação, restauração e manutenção dos ambientes naturais; da importância dos biomas em seus ecossistemas e a diversidade biológica com os serviços ambientais; e sobre a preservação da fauna, com foco em grandes felinos, como a onça-pintada. A instituição que dirige, a Fundação Pró-Natureza, com sede em Brasília, tem atuação direcionada a áreas protegidas, espécies ameaçadas de extinção e criação de reservas particulares de patrimônio natural, por exemplo.

Na quinta-feira (20), José Luiz de Andrade e Franco participou de workshop promovido pelo Programa de Pós-graduação em História da UPF- Foto: Édson Coltz

No workshop promovido pelo Programa de Pós-Gradução em História da UPF, apontou para a necessidade de constituirmos o que chamou de “ética ambiental mais ampla”. “O nosso raciocínio é extremamente utilitarista. A gente pensa na natureza como um recurso natural, ou seja, o que ela oferece para o ser humano. ‘Se eu garantir a exploração da natureza, por mais tempo, melhor’. Agora, nunca pensamos na natureza como tendo um valor intrínseco nela própria. A gente surge como espécie há muito pouco tempo, há cerca de 200 mil anos. Se dispersa pelo mundo há menos tempo ainda, cerca de 60 mil anos. Antes disso, tínhamos um mundo extremamente diverso”, retomou o professor, ao referir as causas e efeitos das mudanças climáticas. “A espécie humana conseguiu interferir no clima do planeta a ponto de gerar uma mudança climática, um aquecimento global. E, por outro lado, a gente provoca um processo de extinção em massa no planeta pelas nossas ações”, alertou.

Essa interferência nociva e a ocupação de áreas desordenadamente, associa o professor, geram impactos já percebidos na rotina da população humana. Como exemplo, cita as recentes enchentes registradas no Rio Grande do Sul. “A gente está tendo os efeitos da mudança climática, são os extremos. Teve muita chuva, e o Rio Grande do Sul foi alagado. Por que foi alagado? Em boa medida, porque você tem crescimento urbano sem planejamento. Sim, choveu muito. Agora, vai chover mais, por causa dos extremos climáticos”.

Ao ponderar sobre a associação entre desenvolvimento humano e manutenção dos ecossistemas, argumentou que nem todos os locais precisam ser ocupados e explorados pelo homem, defendendo a constituição de áreas de preservação naturais. “A gente tem que, na verdade, pensar no espaço como um grande mosaico, sendo que essas áreas protegidas não podem ser isoladas. É necessário ter uma estratégia que olhe para o continente inteiro e pense no que é preciso conservar, em termos de representatividade ecossistêmica, representatividade de espécies, como se ter conectividade entre essas diversas áreas e também áreas onde você vai ter atividade econômica, uma atividade econômica planejada”, finalizou.

Além da UPF, José Luiz de Andrade e Franco cumpriu agendas, acompanhado por ambientalistas, na Câmara de Vereadores, na Secretaria de Meio Ambiente de Passo Fundo, Academia Passo-Fundense de Letras, ONGs, dentre outros locais. 

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