Da crucificação de Cristo à tradição do peixe na mesa

O consumo de bacalhau na Sexta-feira da Paixão tornou-se um hábito da família brasileira

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Sexta-Feira Santa é dia de peixe - Foto – FreepikSexta-Feira Santa é dia de peixe - Foto – Freepik
Sexta-Feira Santa é dia de peixe - Foto – Freepik
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A tradição do consumo de peixes na Sexta-feira Santa suplantou o próprio significado da Paixão de Cristo. Peixe fresco ou congelado, crustáceos, sardinha ou atum em lata e, obviamente, o tradicional bacalhau. O jejum da penitência cristã ditou uma tradição na conduta culinária brasileira: o bacalhau na Sexta-feira Santa. O hábito segue a orientação do jejum, quando, por muitos anos, a carne vermelha era proibida durante toda a Semana Santa. Com o tempo, o jejum passou a vigorar apenas na Sexta-feira da Paixão. Curiosamente, não há celebração de missa na data. “Na Sexta-feira Santa, é o único dia em que a igreja não celebra missa, mas celebra-se, sobriamente, uma ação litúrgica fazendo memória da entrega de Jesus por nós quando recebemos a comunhão nas espécies consagradas no dia anterior”, informa a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). E a penitência, da sardinha ao bacalhau, está na mesa.

O Cristianismo

Para o Cristianismo, a Sexta-Feira Santa é um dos dias mais importantes do ano, em alusão à crucificação de Jesus Cristo. Também antecede em dois dias o Domingo da Páscoa, que representa a sua ressurreição. A penitência é a forma respeitosa de reverenciar os episódios bíblicos. Antigamente, durante toda Quaresma, 40 dias antes da Páscoa, os fiéis não comiam carne. Há algumas décadas, a penitência era de uma semana e muito rigorosa entre os cristãos. As emissoras de rádio tocavam apenas músicas instrumentais lentas. Havia rigor ao vestir, o jejum parecia greve de fome, enquanto o silêncio era quebrado apenas pelo badalar dos sinos. Gradualmente, essa conduta mudou. Hoje, prevalece as celebrações litúrgicas do período e a Sexta-Feira da Paixão, quando muitos não comem carne vermelha.

Os peixes

Atualmente, a tradição é o consumo de peixes na Sexta-feira Santa. A penitência é a forma respeitosa de reverenciar à crucificação de Jesus. A prática, influenciada pelos versículos bíblicos, leva muitos fiéis a optarem por peixes e frutos do mar nesse dia. As famílias têm suas próprias peculiaridades culinárias para colocar à mesa, reunindo penitentes para o tradicional almoço da Sexta-feira Santa. O produto vem da peixaria, feira, supermercado ou de uma pescaria familiar. Peixe fresco ou congelado, crustáceos, sardinha em lata e, obviamente, o tradicional bacalhau. As receitas variam muito, mas o peixe assado ao forno tem muitos adeptos, moqueca, ao molho ou ensopado. Em Passo Fundo, mesclando tradições, pode ser na churrasqueira. Enfim, familiares à mesa como na Última Ceia. No mínimo, um gesto cristão.

A deliciosa penitência do bacalhau

Hoje um peixe salgado com preço também salgado, o bacalhau já foi apenas um peixe salgado e popular. Tão popular que o inesquecível Chacrinha distribuía bacalhau para o auditório no seu programa de TV. Obviamente, o bacalhau chegou ao Brasil nas caravelas com os portugueses que o utilizavam nas longas travessias. O modismo começou no início do século XIX, tendo como ‘influencers da época’ a corte portuguesa que chegava ao país. Depois, nas mais fervorosas famílias católicas, durante toda a Semana Santa havia bacalhau no almoço e no jantar. A facilidade de conservação fez o bacalhau reinar absoluto na mesa dos brasileiros nas Sextas Santas até os anos 1960.

Iguaria

Independente de guerras tarifárias, o bacalhau saltou da prateleira popular para a das iguarias quase inacessíveis. É da tradição portuguesa, mas vem das águas geladas da Noruega. Há vários tipos, mas o legítimo é o Porto Imperial, que, nos últimos anos, é mais conhecido como ‘gadus morhua’. O preço? Varia de acordo com a espessura e do tipo de corte, indo de R$ 180 até mais de R$ 1.200 por quilo. O preparo? Para reidratar (dessalgar) é necessário deixar de molho e trocar a água (24 horas para cada cm de espessura). Como fazer? Na brasa, no forno ou na panela com generosas regadas de azeite de oliva. Pode ser com natas, batatas, legumes ou muitas azeitonas. O vinho, que também é bíblico, não pode ficar de fora dessa convidativa penitência. 


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