“Os anos que vivi em Curitiba, Porto Alegre, Estados Unidos e Inglaterra são ilusórios, sempre estive (e estarei) em André da Rocha”. Eis a melhor síntese que encontrei para descrever o novo livro de memórias, Gado de Osso, do Professor Aino Victor Avila Jacques. E se esses versos não tivessem sido escritos por Jorge Luis Borges, há pouco mais de 100 anos, quando da sua volta para a Argentina, depois de ter passado temporada de quase uma década na Europa, sendo partes do poema Arrabal (...los años que he vivido en Europa son ilusorios,Yo estaba siempre (y estaré) en Buenos Aires), que integra o seu primeiro livro, Fervor de Buenos Aires, eles até poderiam ser reivindicados, por Aino Jacques, como autorais.
Gado de Osso é uma espécie de tributo aos valores que o Professor Aino Jacques tem cultuado com esmero ao longo da vida. Sobressaem-se o respeito à ancestralidade, a fraternidade no convívio familiar, a gratidão como premissa do reconhecimento por tudo que os outros fizeram e fazem por ele, a educação como base do desenvolvimento, a paixão pelo ensino e pesquisa, o respeito pelos colegas e estudantes que tiveram a graça de contar com a sua orientação ou o privilégio de assistir as suas aulas, a exploração econômica responsável do ambiente natural, a crença no associativismo, que procura praticar por meio de vivências nos Clubes de Integração e Trocas de Experiências (CITES), e a louvação à cultura, ao destacar o insigne professor e escritor Mozart Pereira Soares, in memoriam, autor, entre outras obras, de Alecrim e Manjerona (romance histórico que tem como pano de fundo a Revolução Federalista, de 1893, e a Revolução de 1923) como o homem mais culto que conheceu na vida.
André da Rocha é onipresente na vida e nos afetos de Aino Jacques. A história desse município não se dissocia da história da família Jacques. Nas páginas do livro Gado de Osso, a liderança incontestável do Coronel Firmino Vieira Jacques, fazendeiro e político, que, em 1912, introduziu a raça Devon e outras melhorias para a produção de gado na região de André da Rocha. O churrasco com carne maturada em varais, que dava a tônica dos puxirões na Fazenda do Prata, de propriedade do Coronel Firmino, foi uma inovação para a época. E cujo filho, Antonio Jacques, comerciante e fazendeiro, pai de Aino Jacques, anos mais tarde, se converteria em figura de proa na criação do município de André da Rocha.
Aino Jacques, deliberadamente, optou, na vida, por privilegiar afetos. A geografia e a história de André da Rocha, em Gado de Osso, ganharam contornos a partir das memórias afetivas do autor. Aino escreveu esse livro mais com sentimento de poeta do que usando técnicas de historiador. O tempo e o espaço dos Jacques em André da Rocha estão postos. O que Aino Jacques buscou (e conseguiu) foi, por meio de abstrações, unir fatos da história local e familiar, ao valer-se dos sentimentos e das emoções que o nutriram ao longo da vida. E, assim, por reconhecer e mostrar os feitos do passado, que estão integrados e se confundem com o presente, alcançou, a partir da sua história pessoal de vida, projetar os compromissos que são necessários para assegurar o futuro de André da Rocha. Não foi sem razão que ele, em 8 de dezembro de 2021, recebeu o título de Cidadão Emérito de André da Rocha. Tatiana, filha, e João Vitor, neto, sintam-se orgulhosos!
Talvez, na visão de alguns, Aino Jaques tenha abraçado Utopias. Quando, por exemplo, levou adiante a bandeira do avô, o Coronel Firmino, transformando-se em defensor e propagandista da raça Devon. Ou quando se colocou, radicalmente, contrário à queimada como prática de renovação de pastagens nos campos nativos. Suas propostas de alternativas de manejo, depois muita pesquisa, o tempo se encarregaria de mostrar que estavam certas. E mais, ao abrir mão de obter maior lucratividade na atividade rural, uma vez que transformou a sua propriedade familiar, o Sítio do Pinheirinho, em André da Rocha, em um laboratório a céu aberto daquilo que pregava sobre manejo de campos nativos e em local de visitação obrigatória para estudantes e demais interessados no assunto.
Se alguém ousar indagar, qual o principal legado deixado pelo Professor Aino Jacques? Eu não hesitaria responder: foi um mestre de escol que, acima dos conteúdos acadêmicos, primou pelo ensinamento de valores. E o livro Gado de Osso, do qual eu tive o privilégio de assinar o breve prólogo, é a prova cabal dessa afirmação.
Nada mais adequado, para fechar esse texto em sintonia com o título, que rememorar os antológicos versos de Humberto Gabbi Zanatta musicados por Luiz Carlos Borges: “Tropa de osso quem não teve quando piá/ Ou não foi piá, ou não viveu como nós outros?/ (...)”.
SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura