Um assunto polêmico, que apresenta diferentes conceitos e que se reflete em grandes questionamentos. É preciso legalizar o uso de entorpecentes? Por quê? Quais caminhos para um problema de saúde pública que se apresenta de diferentes formas em todos os âmbitos da sociedade.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou na última semana (13) a proposta de emenda à Constituição que inclui a criminalização da posse e do porte de drogas, em qualquer quantidade, na Carta Magna (PEC 45/2023). Os integrantes da CCJ acataram o relatório do senador Efraim Filho (União-PB), que é favorável à PEC.
Durante a votação apenas quatro senadores se manifestaram contra a inclusão da criminalização da posse de drogas ilícitas na Constituição federal.
Na visão de Efraim Filho, a PEC explicita aquilo que já está implícito na Constituição, que considera tráfico de drogas como crime hediondo. O relator afirmou que a sociedade sofrerá consequências na saúde e na segurança pública caso o STF considere inconstitucional trecho da Lei de Drogas (Lei 11.343, de 2006) que criminaliza o porte e a posse de drogas para consumo pessoal.
A votação ocorre durante um impasse do Congresso Nacional com o STF relacionado à questão. Dos onze ministros do STF, cinco já votaram pela inconstitucionalidade de enquadrar como crime unicamente o porte de maconha para uso pessoal. Três ministros votaram para continuar válida a regra atual da Lei de Drogas. A quantidade de maconha que determinará se é caso de tráfico ou de uso pessoal também é discutida pelos membros da Corte, que provisoriamente propõem valores entre 10 e 60 gramas.
A PEC prevê que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes ou drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, o que já é previsto na Lei de Drogas.
A lei atual prevê que o porte de qualquer quantidade de maconha é crime, mesmo que para uso pessoal, sujeito a punições como prestação de serviço comunitário e medidas socioeducativas.
Marcha da Maconha
A Marcha da Maconha no Brasil nasceu no Brasil com o objetivo de descriminalizar e legalizar o uso da maconha no país e o cultivo da planta, sendo o primeiro registro teria ocorrido em 2002 no Rio de Janeiro, sendo reproduzida em outras capitais e cidades brasileiras. O movimento pela legalização no Brasil crítica a política antidroga utilizada no país, destacando que a proibição da erva no país está ligada a opressão dos povos pretos de origem africana, que teriam trazido da África a planta e por ser utilizada pelos escravos acabou sendo proibida, pois não haveria estudos sobre o uso prejudicial à saúde.
Construção de uma nova política de drogas
De acordo com o advogado e professor da Atitus Educação, Felipe de Veiga Dias, esse é um tema que vem sendo há muito tempo discutido, não só dentro da advocacia, como também em outras esferas. “A legislação nunca estabeleceu de forma clara os critérios distintivos entre usuário e traficante, não havia critérios objetivos dentro das normas jurídicas e isso sempre criou um espaço para decisões por parte do próprio poder judiciário para acusações e imputações por parte do que a gente chama de execução penal de forma dura, variando o tipo de droga e a quantidade é avaliado como traficante ou usuário, com a mesma quantidade dependendo das condições pessoas, isso ficava em um grau de variação muito grande”, explica.
Conforme o professor, foram realizados estudos de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o assunto identificando a problemática e discrepância nas imputações de crime. “Tivemos alunos, inclusive aqui de Passo Fundo e da região, que pesquisando ações em processos e ocorrências conseguiram evidenciar nos últimos anos, que variava muito a depender no local na cidade de Passo Fundo, do bairro que o sujeito fosse autuado, e fizeram estatísticas sobre isso, porque necessariamente, o sujeito em determinadas regiões da cidade era imputado como traficante, enquanto outras pessoa com quantidades idênticas no centro da cidade, não teve a mesma tipificação, então pensando na nossa realidade de Passo Fundo, só para evidenciar um exemplo de como essa falta de definição clara causa problemas práticos de forma geral”, pontuou.
Outro ponto destacado pelo professor é que existe um preconceito com pessoas pobres, pretas e de periferia que acabam sofrendo as consequências dessa política de guerra às drogas que não está funcionando. “Essa política pressiona as autoridades policiais e dentro do Ministério Público a uma pressão constante, enxugando gelo, de um combate que nunca termina e nunca vai terminar. O terceiro ponto é a discussão do supremo está centrada especificamente na descriminalização, de forma geral a abordagem de discriminação das drogas em vários países vem sendo algo positivo, basta evidenciar o exemplo de Portugal que fez descriminalização geral de todas as drogas e passou claro por políticas públicas na área de saúde, de prevenção, de redução de danos de pessoas que fossem usuários de drogas”, pontua.
Drogas legalizadas e os danos à saúde
Para Felipe, há outras drogas que fazem muito mais mal à saúde causando diversos transtornos e que são lícitas, a exemplo do cigarro e da bebida alcoólica. "O número de prejuízos causados por cigarros comuns, por álcool são muito maiores que a maconha, ponto de vista de longo prazo, e mesmo que não fosse o que o supremo está tentando fazer é estabelecer parâmetros mínimos que é uma coisa que a legislação não oferece, em relação a quem poderia ser tipificado como usuário ou traficante, acho que isso já seria um avanço. Mesmo que descriminalizar unicamente a maconha, já tem um efeito direto que é evitar o encarceramento de pessoas por tipificação como usuários de maconha, embora o usuário não receba o encarceramento, mas muitas vezes acaba sendo tipificado como traficante, mesmo com quantidades pequenas de forma equivocada, esse é o perigo", disse.
Tratamento mais humano
Para o advogado, o posicionamento do STF de descriminalização do porte da maconha é bastante razoável. "Se for efetivado por parte do Supremo, me parece bastante razoável, pensando não só do ponto de vista prático com efeito direto, mas de um ponto de vista de avanço na melhora do tratamento de pessoas que são usuários de drogas, ele é mais humano no tratamento, de possibilidades de atendimento dessas pessoas. Tem outro efeito prático no sentido de desonerar a atividade das autoridades, execução penal, policial, judiciário de investigar demandas que claramente têm pouco dano à sociedade, pouco potencial e tem um efeito na letalidade e encarceramento da população que já são vulneráveis no Brasil, demonstrando uma posição de vanguarda jurídica no tratamento minimamente humano das pessoas em sociedade, que precisam ser encarcerados e excluídos, mas sim, no conceito de saúde pública do que necessariamente um problema de prisão", finalizou.
“Maconha é muitas vezes a porta de entrada para outras drogas”, diz delegado da Polícia Civil
O delegado regional, Adroaldo Schenkel, é contra a descriminalização do porte da maconha, pois acredita que os efeitos pelo uso dela são graves à saúde e causam grandes transtornos à sociedade. “Da dependência, restam incontáveis reflexos ao usuário, à família e à sociedade. São milhares de mortes diretas, acidentes de todos os tipos, desestruturação familiar, inutilidade produtiva e social dos dependentes e problemas de saúde pública, a afetar toda a coletividade. Na questão criminal a situação é igualmente gravíssima, milhares, ou milhões, de furtos, roubos, homicídios e outros crimes estão diretamente relacionados ao uso e traficância de drogas. O poderio das facções e do crime organizado será ainda maior. Estaremos mais próximos da situação de “narcoestado”, já experimentada em alguns países”, disse.
Mais problemas
Para o delegado, a liberação da maconha só vai aumentar todos os problemas, destacando que hoje o usuário de drogas praticamente já não enfrenta repressão legal ou estatal. “Não há prisão, normalmente a consequência, se flagrado de posse para uso próprio, é uma advertência judicial ou encaminhamento a tratamento. Afastar a ação Policial em relação ao porte de drogas para uso, e é isso que vai ocorrer na prática, se determinado pelo STF, vai aumentar muito o uso e o ingresso de novos jovens ao consumo, por conseguinte o tráfico de drogas e todos os seus efeitos”, pontua.
Sobre a discussão no Supremo das quantidades que representam posse para uso ou tráfico de drogas, para Schenkel a lei atual já é perfeita sobre o assunto. “O que define a situação, em apreensões menores, é a prova da intenção ou a conduta relacionada ao tráfico, vender, portar ou guardar para traficar. Não havendo elementos claros da conduta voltada ao tráfico, a posse já é conduzida para o uso. Caso afirmadas quantidades mínimas, teremos, certamente, aumento do chamado “tráfico formiga”, mais pessoas, normalmente jovens, fazendo o trabalho de traficância, em pequenas doses, com todos os seus efeitos. Ademais, o Estado e seus poderes existem para o bem comum da coletividade e devem atender seus anseios. Será que a sociedade brasileira quer essa liberação? Há lei posta, vigente, elaborada pelo Congresso, representantes eleitos da sociedade. Atende, na essência, nosso sistema democrático tal forma de alteração legal, determinada por 11 ministros não eleitos? Questões mais amplas, em tempos que se invoca muito a democracia e o estado democrático de direito, que devem ser também discutidas”, finalizou.